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sábado, 31 de outubro de 2009

O VELHO E O MAR



O clássico de Hemingway é uma história tocante sobre uma velho pescador que faz a sua viagem mais extrema pelo mar. Estando semanas e semanas sem pescar nada, o velhote finalmente tem sorte. Mas é simplesmente uma primeira impressão. A pesca é grande e vira o barco do velhote. Ele fica sem comida, sem força e vontade de permanecer vivo. Irá ele sobreviver e segurar o peixe que lhe daria o dinheiro necessário e lhe traria de volta a sua reputação? A história continua bem ao estilo de Hemingway: desprovido de expressões extraordinárias, contada de uma forma muito realista e sucinta. Inicialmente, nada parece acontecer realmente: o velhote está no alto-mar e apanha o peixe da sua vida. Mas o leitor tem de ir mais longe e ver as lacunas entre as linhas. Elas contam tudo. Outro personagem é o rapazito. Ela serve de uma superfície na qual o leitor pode reflectir a solidão e experiência significativa do velhote. Uma nota adicional pertence ao cuidado e descrição completa de Hemingway dos arredores de Cuba. A história vive e pertence definitivamente ao seu ambiente social

domingo, 25 de outubro de 2009

SER MINEIRO



"Ser mineiro é não dizer o
que faz , nem o que vai fazer ,
é fingir que não sabe aquilo
que sabe , é falar pouco e
escutar muito , é passar por
bobo e ser inteligente , é
vender queijos e possuir
bancos .
Um bom mineiro não laça
boi com imbira , não dá
rasteira no vento , não pisa
no escuro , não anda no
molhado , não estica
conversa com estranhos , só
acredita na fumaça quando
vê fogo , só arrisca quando
tem certeza , não troca um
pássaro na mão por
dois voando .
Ser mineiro é dizer "uai" ,
é ser diferente , é ter marca
registrada , é ter história .
Ser mineiro é ter
simplicidade e pureza ,
humildade e modéstia ,
coragem e bravura ,
fidalguia e elegância .
Ser mineiro é ver o nascer
do sol e o brilhar da lua ,
é ouvir o cantar dos pássaros
e o mugir do gado , é sentir
o despertar do tempo e o
amanhecer da vida . Ser
mineiro é ser religioso e
conservador , é cultivar as
letras e artes é ser poeta e
literato , é gostar de política ,
é amar a liberdade , é viver nas
montanhas , é ter a vida interior ,
é ser gente " .


O Grande Mentecapto
(Fernando Sabino)

Fernando Sabino é autor contemporâneo
dos mais importantes. Dono de um estilo inconfundível em que ressalta o
extremo cuidado com a linguagem, é um especialista em criar situações
cômicas de profunda beleza plástica. Sua capacidade descritiva faz com
que o leitor, além de se deleitar com a complicação da trama, consiga
visualizar a cena criada pelo narrado. Sua obra é extensa e inclui
principalmente crônicas e contos. Seus romances - O Encontro Marcado; O
Menino no Espelho; O Grande Mentecapto - são fruto de profunda
preparação e artesanato impecável. Por isso mesmo cresce a cada dia a
importância de sua obra no panorama da atual Literatura Brasileira.
Nesse romance de 1979, o Autor elabora uma trama com a nítida intenção
de homenagear as pessoas humildes, simples e puras. Já na epígrafe da
narrativa, "Todo aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino,
este será o maior no reino dos céus.". nota-se a vontade de elevar os
puros, os inocentes e os ingênuos.
Na linha da novela picaresca - vide o Dom Quixote de La Mancha, de
Cervantes -, em que o personagem desloca-se por um espaço indefinido, à
cata dos conflitos, para resolvê-los heroicamente, Viramundo vive uma
seqüência de peripécias acontecidas no Estado de Minas Gerais,
contracenando com personagens dos mais variados matizes e
comportando-se sempre como o bem-intencionado, o puro, o ingênuo
submetido às artimanhas e maldades de um mundo que ainda não está de
todo resolvido. Andarilho, louco, despossuído, vagabundo, idealista.
Marginal em uma sociedade que não entende e em que não se enquadra, o
Viramundo instaura um sentimento de ternura e de pena por todos aqueles
que, em sua simplicidade, sofrem o descaso, a ironia, a opressão e a
prepotência.
Como o Quixote, com a sua amada Dulcinéia, e como Dirceu, com a sua
adorada Marília, Viramundo põe em suas ações tresvariadas a esperança
de realizar-se emocionalmente com a sua idealizada e inalcançável
Marília, filha do governador de Minas Gerais. Sua ilusão alucinada é
reforçada pelos pseudo amigos que o enganam com falsas cartas de amor e
incentivam sua loucura mansa e seu sonho impossível.
Viramundo conhece que o mundo é uma grande metáfora e o trata com
idealismo como se ele fosse real. Consertar o mundo é sua missão e ele
se dedica a ela com toda a força de sua decisão, não se deixando abalar
pelo insucesso, pelo ridículo, pela violência ou pelo vitupério. Em seu
delírio, o irreal e o real andam de mãos dadas, não há a separação
entre o concreto e o abstrato, e por isso o herói não se abala física
ou emocionalmente com nada com que se defronte: não teme os fortes, os
violentos; não se assusta com fantasmas e nem com ameaças; aceita
resignadamente o que a vida lhe reserva.
Percebe-se aqui que, além de pícaro, nosso herói pode ser considerado
como bufão, pois jacta-se tolamente sobre supostas capacidades de
resolver as injustiças e o desacerto do mundo. Não tem qualquer ligação
definitiva com a vida; não assume compromissos; é desprezado e usado
por aqueles com os quais se relaciona.
A pureza deste aventureiro é a crítica à hipocrisia das relações
humanas em um mundo que perdeu o sentido da solidariedade e da
fraternidade. Sua alegria ingênua e desinteressada opõe-se ao jogo
bruto dos interesses malferidos, ao conservadorismo e à arrogância.
Porta-voz dos loucos, dos mendigos, das prostitutas, o Viramundo
conhece os meandros da enganação e da falsidade dos políticos e dos
poderosos.
A crítica à mesmice, ao chavão e ao clichê faz-se pela presença da
paródia a muitos autores e personagens historicamente conhecidos.
Viramundo não era conhecido, mas termina por criar fama em razão dos
casos incríveis em que se envolve. Sob a aparência imunda de um mendigo
está um sujeito com cultura geral incomum. Sua fala de homem conhecedor
surpreende e sua experiência de ex-seminarista e ex-militar confunde e
admira aqueles com quem convive. Sua esquisitice e suas respostas
prontas a todas as indagações fazem com se acredite tratar-se de um
louco manso e inofensivo.
Outro aspecto interessante é a exploração da temática da loucura. O
Autor parece convidar o leitor a uma reflexão sobre a origem e o
convívio com a idéia da excentricidade do comportamento humano.
Viramundo pode ser considerado um louco, mas quem não o é? O que a
sociedade considera loucura? Como classificar e tratar os indivíduos
que atuam em dissonância com aquilo que se considera normalidade? A
sociedade mostrada no romance está povoada de tipos que comumente
chamamos de loucos: os habitantes de Mariana agem desvairadamente ao
tentar linchar Dª. Peidolina; o diretor do hospício é mais estranho que
os próprios internos do manicômio; o capitão Batatinhas é absolutamente
alienado. Há no decorrer de toda a narrativa o questionamento da
fragilidade dos limites entre a sanidade e a loucura.
No limiar da consumação de sua caminhada, Viramundo mudou. No começo
era idealista e cheio dos cometimentos da paixão. Manteve-se assim
durante muito tempo até encarar a dura realidade da convivência humana.
A série de acontecimentos em que figura como perdedor física e
emocionalmente faz com que se desiluda. Descobre que as cartas de amor
eram falsas; os amigos eram falsos; sua crença era falsa. Por todo lado
só encontra sofrimento, opressão, hipocrisia. Está só, absolutamente
só, e a solidão é tudo que lhe resta.
Seu fim é emblemático. Morre vitimado pelo próprio irmão. Paga por um
crime que não cometeu. A intertextualidade bíblica é evidente: compara
a trajetória e o comportamento de Viramundo com a Via-Sacra do Cristo,
em todos os sentidos, inclusive no sacrifício final.

sábado, 17 de outubro de 2009

A ÚLTIMA CRONICA


A ÚLTIMA CRÔNICA

Fernando Sabino

"A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso."


Retorna à página ALGUMA POESIA


Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Carlos Drummond de Andrade

ENTREVISTA COM NICK FAREWELL


GO – Nick Farewell

07/10/2009 por Fernanda Pasian

go

Título: GO

Autor: Nick Farewell

Editora: Via Lettera

Número de Páginas: 219

GO é um livro peculiar em todos os sentidos. Imagino que tenha sido escrito pra dois tipos de pessoas: as que tem talento para vida e as que tem talento para a leitura. Intrigante do começo ao fim, é impossível soltar o livro por um simples motivo, independente de onde viemos e de como fomos criados, nos encontramos nas páginas. O personagem com todas suas falhas, defeitos, excentricidades, devaneios, qualidades, desperta o interesse e a curiosidade do leitor que já passou ou sabe que vai passar pelas mesmas situações. Oportunidades, amores, traição, superação, mentiras, caminhos, dúvidas… a história mostrando o tempo todo que apesar de tudo, a vida é complexa, assim como são as pessoas. Vale a pena ler.

Entrevista com Nick Farewell

Felizmente e graças a internet tive a oportunidade de conhecer e trocar algumas palavras com Nick Farewell, autor do livro GO. Ele foi muito gentil em responder minhas perguntas e deixar que eu as publicasse aqui no Letras e Livros. Mais um vez, obrigado Nick!

Fernanda: Há quanto tempo você escreve?

Nick: Por incrível que pareça nunca quis ser escritor. A escrita foi uma ferramenta para expressão da vida. Sou mais leitor do que escritor. Inclusive demorei para lançar o GO porque não via a necessidade.

Fernanda: Você pretende lançar outros livros?

Nick: Se der, lanço ainda este ano meu livro de poemas que juntei durante 20 anos e que possui a incrível quantidade de 41 poemas.

Fernanda: A maioria dos leitores se vê na história. O que é seu e o que é do personagem no livro?

Nick: Realidade e ficção se misturando o tempo todo. Mas afinal o que é real e o que é imaginário? Quem é você, quem sou eu e quem são os outros? São indagações existenciais e matéria-prima talvez para todas as minhas histórias.

Fernanda: Parece que você gosta de conhecer os seus leitores.. acredita que todos eles têm talento para a vida?

Nick: Acho bacana ouvir os leitores. Mesmo porque gosto de desmistificar essa ideia de que escritor é um ser do outro mundo. E claro, muitos leitores querem conhecer o autor do GO. O que é uma honra. Também significa que realmente gostou do livro. Se o que une ou que seja um ponto comum entre todos os leitores eu diria que é “talento para a vida”. Nós nos reconhecemos.

Fernanda: Assim como eu, muitos leitores elogiam GO. O que você acha disso?

Nick: É muito bom saber que você (e muitos) gostam do livro. Fico com sensação de dever cumprido. Obrigado.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

OS MELHORES DO MUNDO


A MORTE DE VÊNUS


A MORTE DE VÉNUS

Velhos berilos, pálidas cortinas,
Morno frouxel de nardos recendendo
Velam-lhe o sono... e Vênus vai morrendo
No berço azul das névoas matutinas!

Halos de luz de brancas musselinas
Vão-lhe do corpo virginal descendo
- Abelha irial que foi adormecendo
Sobre um coxim de pérolas divinas.

E quando o Sol lhe beija a espádua nua,
Cai-lhe da carne o resplendor da Lua
No reverbero dos deslumbramentos...

Enquanto no ar há sândalos, há flores
E haustos de morte - os últimos clangores
Da música chorosa dos mementos!

Augusto dos anjos-
1884- 1919,

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A lua é uma luz de festa
Suspensa no céu
Troca com o sol o sorriso
A doçura dos raios
Que se prolongam
Pelo dia e pela noite
Com o poder mágico
De dar ás nossas almas
O sonho da felicidade

A lua dança
E vive em sintonia
Com a natureza
Brilha em silêncio
A inexprimível
Coragem da vida

Professora
Metáfora
Espelho
Fascínio

Livre
Nas nuvens e no vento
Dona da saudade

Esta noite conversarei com ela outra vez

Enquanto ela existir
Assim será o meu amor por ti
Eterno....

Um dia, quem sabe, ainda acordada,
Vejo-te chegar numa madrugada
E na Lua viveremos sempre, tu e eu ...
A dormir, a fazer amor....a viver cada momento
E por cada momento,
Construirei novos momentos,
por cada sonho teu e meu compartilhado
Por cada palavra tua e minha
Por cada letra,
Morrerei um milhão de vezes,
Por cada delírio e carinho,
E sobriveverei para contar

Farei um poema.

Farei poemas para a lua.

o menino poeta

O MENINO POETA

Henriqueta Lisboa

O menino poeta

não sei onde está

procuro daqui

procuro de lá

tem olhos azuis

ou tem olhos negros?

Parece Jesus

ou índio guerreiro?

Trá-lá-lá-lá-li

Trá-lá-lá-lá-lá.

Ai! que esse menino

será, não será?

procuro daqui

procuro de lá.

O menino poeta

quero ver de perto.

Quero ver de perto

para me ensinar

as bonitas coisas

do céu e do mar.


....- Que fazes aí? perguntou ao bêbado, silenciosamente instalado diante de uma coleção de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.

- Eu bebo, respondeu o bêbado, com ar lúgubre.

- Por que é que bebes? perguntou-lhe o principezinho.

- Para esquecer, respondeu o beberrão.

- Esquecer o quê? indagou o principezinho, que já começava a sentir pena.

- Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bêbado, baixando a cabeça.

- Vergonha de quê? investigou o principezinho, que desejava socorrê-lo.

- Vergonha de beber! concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente no seu silêncio.

E o principezinho foi-se embora, perplexo.

As pessoas grandes são decididamente muito bizarras, dizia de si para si, durante a viagem...

trecho do livro "O PEQUENO PRÍNCIPE"
MENSAGENS SLIDES



Motivo

Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste :
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.

A ÚLTIMA CRÔNICA


"A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.